Duda, a adolescente de Juiz de Fora que busca a cura de um câncer raro, já está em tratamento na Espanha

Maria Eduarda, a Duda, uma jovem guerreira de 14 anos que luta contra um câncer raro, o Sarcoma de Ewing, já começou o tratamento com Protonterapia em Madri, na Espanha. Ela ficou conhecida pela incrível campanha de vaquinha on-line que arrecadou mais de 800 mil reais em menos de 48 horas. Um movimento de solidariedade com resultado meteórico que só as redes sociais conseguem proporcionar, comovendo artistas e muita, muita gente anônima que de real em real proporcionará a ela realizar o procedimento menos invasivo, disponível com melhores resultados no exterior, para tentar seguir a vida sem a doença. 

Mas por traz desse sucesso tem uma história de angústia, muita fé e a luta de uma mãe do tipo brasileiro, “a que não desiste nunca”. Octacília Nogueira é enfermeira e conhece bem as dificuldades de enfrentar uma doença tão grave – o que não reduz, pelo contrário, amplia a aflição de mãe, devido ao seu conhecimento técnico – e o desafio de encarar o árduo percurso em busca da cura.

E o câncer nem foi o primeiro susto que Maria Eduarda passou, testando a fé da família. Com dois anos e meio, ela foi diagnosticada com uma cardiopatia congênita e precisou passar por procedimento para implante de uma prótese para corrigir uma malformação na estrutura do coração. Por isso, apesar de ser pequena demais para lembrar de seu primeiro grande “perrengue”, o controle permanente da saúde, idas e vindas entre consultas e exames nunca foram novidade para Duda.

Duda e Octacília sempre manifestam sua gratidão às médicas Sandra Tibiriçá, Tereza Cristina Esteves e às equipe que cuidaram dela no Monte Sinai (na foto com equipe do TMO)

A doença

Até o diagnóstico de um câncer ósseo raro, em final de fevereiro deste ano, foram muitas dúvidas e muitos questionamentos junto a especialistas de uma mãe que não se conformou com soluções mais imediatas ou simplistas. Ou a atribuição da queixa da adolescente à “dor do crescimento” como muitos leigos sugeriram. Duda tem o tumor no osso da pelve, local mais comum deste tipo de câncer que acomete principalmente crianças e jovens. Ele pode estar presente em qualquer osso e alguns órgãos, mas no caso dela, a dor intermitente na perna, porém indistinta, atrasou em pelo menos um mês o prognóstico mais difícil.

E quando ele chega, depois de mais uma ressonância que definiu a massa específica, é hora de enfrentar o choque de um prognóstico grave com suas etapas de um severo tratamento com muitas quimioterapias. Não é fácil para ninguém. Duda que o diga, ela “vira do avesso” com as quimios.  E, para uma adolescente no auge das suas energias, perder todo o cabelo e a rotina de educação e diversão típicas desta etapa da vida, não é simples. Mas ela vai se superando, tem sempre um sorriso no rosto e uma palavra de gratidão. Para muitas pessoas, a notícia do câncer é recebido como uma sentença de morte, mas a forma como a Duda escolheu enfrentar a doença fez toda a sua família ter uma outra perspectiva desta realidade, conta a mãe:  “ela nos mostrou que tudo na vida depende da forma como a encaramos”.

E para Octacília, ser mãe profissional de saúde também não diminui a dor de saber o que ela já passou e o que ainda vem pela frente. Tem ainda o agravante de ter que demonstrar uma força inabalável “mas também vivi a fase de negação”, conta ela. As primeiras orientações eram para pelo menos duas séries de sete quimioterapias. Uma antes e outra depois da perspectiva de duas opções difíceis: uma cirurgia debilitante (é necessária a retirada de parte do osso e impacto sobre a locomoção para o resto da vida) ou de um tratamento com radioterapia com possibilidade de afetar e comprometer outros órgãos ou tecidos.

A esperança

“Mas tem que haver outra saída”. E existe. Um tratamento muito caro, a ser realizado na Espanha: a Protonterapia. Ele utiliza feixes de prótons ou de íons de carbono que, acelerados a até 225 mil metros por segundo, penetram no interior do corpo praticamente sem causar danos ao tecido biológico a ser tratado. Ele é feito num equipamento que parece uma máquina de tomografia, proporciona a degradação do tumor com a vantagem de oferecer menores riscos aos tecidos adjacentes. Ao contrário da radioterapia convencional, seja com raios-X ou gama, que deposita altas doses nas partes sadias para poder chegar com eficiência na área da lesão.

Ao não se conformar, mais uma vez Octacília se deparou com outro desafio: onde conseguir tanto dinheiro? O custo era estimado em mais de R$ 750 mil. Ela, que já tinha começado a pesquisar tudo o que havia publicado sobre a doença, entrou em grupos de pacientes e mães que enfrentaram as mesmas dificuldades, logo começou a pensar na saída de tentar uma vaquinha pela internet. E com o inestimável conhecimento e apoio da oncologista pediátrica Tereza Cristina Esteves elas focaram as esperanças neste tratamento. A médica passou o caso de Duda por um Comitê Científico latinoamericano que estuda o Sarcoma de Ewing e ele apontou as chances de sucesso. Foi definido que a solução seria o tratamento numa das clínicas espanholas.

Mas havia prazo para isso, Duda já tinha passado pelos ciclos iniciais de quimioterapia, necessários antes do procedimento a ser escolhido – cirurgia, radioterapia ou protonterapia. Assim, ainda houve a pressão de uma campanha com dias contados para se conseguir o valor do tratamento. Além do tempo de liberação do dinheiro da “vakinha” em cinco dias úteis, havia um intervalo indispensável a ser cumprido para o início do tratamento invasivo, qualquer que fosse a decisão.

A “vaquinha”

Muitas opiniões, exemplos de insucesso, o desconhecimento sobre o recurso na internet, eram muitos empecilhos pressionando a decisão de Duda e Octacília, que ainda teriam que se expor nas redes sociais em busca do único recurso para tentar o caríssimo tratamento. Porém, mais uma vez, contrariando todos os prognósticos, elas encararam de frente o desafio. Já era a segunda semana de junho e o “deadline” seria o dia 20 para cumprir prazos de tratamento, pagamento e viagem.

A própria Duda fez a arte do post para divulgação e elas iniciaram a “vaquinha”. A resposta imediata de uma rede de conhecidos, especialmente, dos colegas de profissão do Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus, onde Octacília atua, do Hospital Monte Sinai, onde foram realizadas as quimioterapias, amigos e familiares, impulsionou a disseminação do post, tomando tal proporção num tempo tão curto que impressionou até quem trabalha com marketing digital.

A repercussão com a “repostagem” de artistas como Whindersson Nunes, vídeo gravado pelo sertanejo Frank Aguiar e também pela própria Maria Eduarda, viralizaram de tal forma que transformou a campanha numa comoção nacional. “Lá em casa o clima era de torcida de final de Copa do Mundo”, conta Octacília. “E tivemos que ser rápidos também para encerrar o processo, pois não havia intenção de ir além do valor previsto para as despesas de viagem e do tratamento”. Foram menos de 48 horas de campanha virtual. O sucesso até inspirou a mãe-enfermeira a ir além da luta de Duda, “pois queremos ajudar outras crianças com câncer. Nós temos plano de saúde e pudemos ser atendidas com agilidade, mas eu trabalho no SUS e conheço bem as dificuldades, assim com a Dra. Tereza que vê este cenário todos os dias e nos incentivou a levar a nossa bandeira para esta esfera”, conta Octacília, deslumbrada com tamanho carinho que tem recebido de tantas pessoas.

Em busca da cura

Já instaladas em Madri, elas optaram por um hotel bem próximo da Clínica Universidad de Navarra, que acabou sendo a segunda opção entre as instituições disponíveis. Como profissional de saúde treinada nos preceitos de gestão e programas de qualidade, Octacília pesquisou com critério e optou pela clínica que é recomendada entre as melhores do mundo com selo de qualidade.

Chegaram com dias de antecedência à Espanha pare evitar enfrentar um vôo longo no período de queda da imunidade de Duda entre as quimioterapias. Deixando com sua rede de apoio duas crianças pequenas de 7 e 5 anos, Octacília conta que a preparação para dois meses fora do país não foi menos árdua. “O avião não tinha decolado e eu já estava dormindo”, ri Octacília. Não houve nem tempo de fazer esta matéria antes. Octacília deu a entrevista por vídeochamada.

Com o início do processo de exames na clínica, elas estão mostrando as etapas da viagem numa espécie de diário de bordo virtual. Duda e Octacília decidiram dar satisfação, também pelas redes sociais, sobre cada etapa do tratamento, retribuindo com transparência o apoio recebido e demonstrando sua enorme gratidão a todos que participaram da saga até aqui, em especial, à equipe multidisciplinar no Monte Sinai, à pediatra Sandra Tibiriçá, à oncologista Tereza Cristina, familiares, amigos e a cada pessoa que acreditou na luta delas.