Monte Sinai comemora procedimento inovador em bebê de menos de 1 kg

Uma doença rara e um procedimento inovador em um bebê de menos de um quilo, uniram as equipes de cirurgia torácica e da UTI Neonatal do Monte Sinai. Num caso inédito de insuficiência pulmonar severa foi garantido mais um final feliz num ano de muitos desafios para a Unidade Materno-Infantil. Em fevereiro, a equipe já tinha comemorado com grande entusiasmo a vitória da brava Manu, que nasceu com 25 semanas de gestação. A outra pequena guerreira, Laura, que teve alta em meados de novembro, deixou o hospital com quase dois quilos e também sem sequelas.

O nascimento prematuro foi devido ao crescimento intra-uterino restrito e a possível insuficiência placentária. Com apenas 29 semanas de gestação e extremo baixo peso, o bebê já tinha uma combinação de fatores que provocava maior risco de desenvolvimento de doenças pulmonares ou outras comorbidades. Mas Laura nasceu com uma doença congênita chamada malformação adenomatóide cística pulmonar e apresentou uma displasia broncopulmonar de forma bolhosa, o que torna a patologia ainda mais rara.

Entre a primeira e a segunda semanas de vida, ela piorou de forma muito rápida e grave. Sem condições sequer de enfrentar uma avaliação por tomografia computadorizada (TC), a equipe de cirurgia torácica do Hospital apresentou aos pais como única chance uma intervenção cirúrgica, já realizada com sucesso em outra criança com caso semelhante, há cinco anos. A equipe já sabia o que fazer para corrigir a causa do problema, mas, no caso anterior o bebê tinha peso normal. Numa criança de menos de um quilo, os médicos alertaram sobre o alto risco de o bebê não suportar o próprio ato operatório, porém, diante da evolução do quadro não haveria outra alternativa.

A experiência anterior mostrou o alto risco de parada cardiorrespiratória no momento de retirar o bebê da incubadora. Isso era o que invialibizava o TC, onde não haveria condições adequadas de intervir para reverter a parada. A equipe de cirurgiões, com apoio dos anestesiologistas e dos profissionais da Neonatal do Monte Sinai preparou Laura para o ato operatório dentro da incubadora. No momento de colocá-la na mesa cirúrgica, a parada aconteceu como previsto. E o que a provocou foi alteração do retorno do sangue para a câmara cardíaca direita. Quando a equipe da cirurgia torácica fez a incisão, isso melhorou o retorno venoso das veias cavas, houve uma descompressão do mediastino e o pequeno coração se reativou apenas com massagem externa. A equipe estava preparada até para a necessidade de fazer a massagem cardíaca interna, mas com a preparação prévia, houve tempo suficiente para abrir o tórax e reanimá-la, num trabalho conjunto com a equipe de UTI presente no ato cirúrgico.

Evolução grave e procedimento inovador

A formação bolhosa transformou um dos três lobos do pulmão direito de Laura numa estrutura parecida com um cacho de uvas, mas sem nada em seu conteúdo. Com a insuficiência respiratória provocada pela doença, que exige a ventilação mecânica, o ar é jogado dentro do pulmão, sob volume ou sob pressão, a cada ventilação, os alvéolos se hiperinsuflam e as bolhas surgem. A formação bolhosa crescente vai comprimindo o pulmão no lado em que ocorre, que ao aumentar de tamanho progressivamente começa a desviar o mediastino (composto pelo coração e estruturas vasculares que ficam entre os dois pulmões), comprometendo o fluxo especialmente das veias cava que drenam o retorno do sangue para o coração e depois é oxigenado nos pulmões. A criança piora em pouco tempo, evoluindo para insuficiência respiratória gravíssima.

Uma opção para a equipe da cirurgia torácica seria ressecar o pulmão, mas esta intervenção levaria mais tempo e o bebê poderia perder sangue – o que seria fatal numa criança de 900g, com quantidade de sangue muito pequena – e qualquer perda poderia inviabilizar sua recuperação no pós-operatório. Por isso, a opção foi pelo ato operatório mais inovador: um envelopamento pulmonar. O cirurgião faz dobras no pulmão e vai fazendo suturas do próprio tecido afetado do pulmão, transformando aquela região muito insuflada (de bolhas) numa área hepatizada – semelhante ao fígado. A região afetada é pequena e o restante do órgão se recupera plenamente.

A satisfação com o resultado imediato pelas equipes que assistiram o procedimento foi enorme. A paciente que chegou à sala cirúrgica com uma saturação em nível quase incompatível com a vida e cianótica, apenas com o tempo extremamente curto do ato operatório, pouco mais de 15 minutos, já permitiu que ela fosse reincaminhada para a incubadora com saturação perto de 100%. “Uma vitória e muito gratificante” garantem os cirurgiões, “principalmente numa criança de menos de um quilo”. Com certeza um caso de sucesso e de aprendizado valioso, pois a equipe enfrentou além da extrema prematuridade e baixo peso, a gravidade da doença.

As radiografias de Laura no dia da cirurgia e após a primeira semana mostraram uma evolução excelente e foi possível retirar o dreno torácico em apenas cinco dias, já sem qualquer fuga aérea. Sobre o envelopamento do pulmão, é preciso aguardar um tempo para avaliar se haverá sequelas. Um TC poderá confirmar isso em um ano, mas na outra criança, operada há cinco, não se verificou problemas. Os médicos explicam que o pulmão cresce até os oito anos de idade, além de ser um órgão que suporta bem as agressões e, em geral, se regenera muito bem.

Todo o pós-operatório aconteceu de forma muito satisfatória. O corte lateral no tórax foi bem pequeno, mesmo proporcional ao tamanho de um bebê com 900g, houve afastamento discreto das costelas e as manipulações necessária para reanimá-la não desanimaram a pequena Laura. Ela teve cicatrização excelente. O neonatologista Vitor Alvim explica que sempre há um risco de algum grau de sequela, especialmente no desenvolvimento neurológico de longo prazo, pois pode ter ocorrido sofrimento isquêmico cerebral. Mas pela avaliação da equipe antes da alta, ela apresentou desenvolvimento normal. Ao completar quase dois quilos de peso e com todos os exames realizados, Laura teve alta da UTI e só passou mais um dia em observação no Hospital.

Técnica inédita e experiência adquirida

A experiência da equipe com este tipo de afecção rara, além de consolidar o sucesso da técnica, ao mesmo tempo mostra que a Medicina não pode cruzar os braços diante das adversidades, mesmo quando são tantas ao mesmo tempo. “Só no Monte Sinai já são duas vidas recuperadas e uma alegria muito grande para o serviço da cirurgia torácica do Hospital”, garantem os médicos. Eles contam que quando a outra criança fez a parada ao passar da incubadora para mesa cirúrgica, houve uma certa apreensão, e o tempo necessário para fazer assepsia da pele e colocação dos campos, poderia ter comprometido o procedimento ou a recuperação plena do bebê. O episódio anterior permitiu prever a reação desta vez, fazer toda preparação para a cirurgia ainda na incubadora e ter ação rápida. Apesar da gravidade maior, a literatura médica ganha um novo caso de sucesso.